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Por Que a Lontra ? Um ensaio sobre o vazio

Atualizado: 15 de jul. de 2020

Por Oldemar Carvalho Junior, fundador do Projeto Lontra


Essa é uma das perguntas que mais me fazem quando dando uma palestra sobre o assunto ou mesmo numa conversa informal. Parece simples de responder, mas não. A pergunta também poderia ser: Por que o Projeto Lontra? Não obstante, as duas estão ligadas, e até podem ter uma resposta única.


O Projeto Lontra nasceu de uma grande idéia. Pode-se dizer até impressionante, por ser uma idéia comum, ou talvez até uma idéia errada. Hoje, depois de tudo, não dá para saber ao certo, o porque do querer a lontra, o Projeto. Hoje, não sei mais o que é meu e o que não é. Com certeza, o Projeto Lontra não é mais meu. Foi apropriado. E acredito que trabalhei para isso, que desejei isso. Confesso ser algo que me inquieta, não obstante, me enche de satisfação e alegria. O Projeto Lontra transformou-se, e não poderia ser diferente, como tudo na vida. Vida é movimento.


O Projeto Lontra é transitório como o corpo, como meu corpo, que se desfaz e apodrece ao longo do tempo. Mas também é possuído de "alma eterna", no sentido de haver verdadeiro significado, que se dilui nas palavras, que se desmancha à qualquer tentativa de tentar explica-lo. O Projeto Lontra, como projeto, já nasceu e morreu inúmeras vezes.

O Projeto Lontra foi um ato de coragem em si, por ser fruto de um pensamento, de uma idéia. Embaraçoso, por ser pessoal. Revestido de certa vergonha, algo a se evitar. Mas depois de expresso, consignado e concluído, assumiu ele, o Projeto, a forma do pensamento, da idéia. A partir dai o Projeto começa a se expressar e a se comunicar com o mundo. A lontra, onipresente no ambiente selvagem, por difícil de ver — inspirar o Projeto Lontra, não é mais pensamento, e o Projeto se torna assim algo impessoal. A vergonha se desfaz. O símbolo assume a forma, numa verdade construída.


Arrisco-me a dizer que todo projeto nasce de um pensamento, de uma idéia, ao qual, de início tentamos evitar. Ou melhor, nasce de centenas ou milhares de pensamentos que são lançados no vazio, esperando que haja alguma ressonância, um efeito bumerangue, por unidade que seja. Nessa perspectiva o Projeto Lontra é uma ressonância do vazio. Difícil de explicar como a água. Digo a água porque esta é um ponto em comum entre quase todos os projetos de conservação no Brasil. A água porque não possui forma definida. A água porque minhas tentativas de explicar e definir aos meus alunos sempre caiam no vazio, no desespero da nossa falta de entendimento do mundo que nos cerca. De novo, esse vazio. Por isso a água, por isso a Lontra.


Nas minhas aulas de ecologia, com meus alunos, sempre estressava a dificuldade em se definir a água. A água para a lontra, a água para o homem, a água para o ecossistema. A água que reflete o azul quando oligotrófico, ou verde para quando eutrófica. Inodora, incolor, e sem sabor. Corrente, ressurgência, implacável como furacão. Água que aprendemos na escola. Mas também abrigo de bactérias, fragmentos vegetais, e elementos minerais. Água que pode ser líquido, sólido, ou gasoso. Diluída em fórmulas mil, possuidora de inúmeras linguagens, reflete assim o conhecimento caótico que temos da natureza. Também da nossa dificuldade de pensar, sobre os fatos, do mundo que nos cerca, e daquilo que não vemos.

Por assim ser, o meu entendimento da lontra sempre foi difuso e caótico, como um grilhão da ignorância que tento me libertar. Optei por não fugir, ir mais fundo, como num suicídio deliberado da minha inconsciência. Daí a minha curiosidade para com a modelagem energética dos ecossistemas. O fluxo da energia entre os diversos compartimentos bióticos e abióticos, que compõem, como a pintura de um artista, o sistema. Por causa disso fui parar na Universidade da Flórida, como pesquisador convidado por um ano, me dedicando exclusivamente à modelagem energética dos ecossistemas, e da lontra no sistema. Hoje procuro analisar o pensamento como uma energia, que dá origem a projetos. A emergia, com “m", do pensamento. Idéias que se propagam em todas as direções. Quando alguma encontra ressonância, retorna, o resto se perde. Não é assim? De mil idéias, uma que sobrevive?


Na Universidade da Florida, no Center for Wetland, procurei definir o valor da lontra, baseado no emergy, à luz da física, da física quântica. Cheguei a números, que precificam a lontra, mas que me parecem irreais, apesar de economicamente e numericamente válidos. Entretanto, o valor da lontra não está na propriedade dela, como espécie, no existir. Quando olhamos um modelo energético de um ecossistema, podemos perceber que a existência da lontra é definida pela origem dependente dela, assim como todas as outras espécies. Ou seja, a lontra não pode ser vista como uma identidade independente. A lontra adquire a forma de lontra por meio de interações energéticas, dentro do sistema. A esta falta de ser ou existir, por si só, se traduz na eficiência energética causal interdependente que observamos no ecossistema. Na busca incansável da menor entropia.


Portanto, sob essa ótica, a lontra neotropical é um resultado de causa-efeito do vazio sistêmico. E por que vazio sistêmico? Porque não podemos afirmar que a lontra existe tal qual como a vemos. Isso é o que a Física Quântica tem nos ensinado. Quanto mais fundo vamos no conhecimento sobre algo em particular, mais descobrimos que nada existe. A forma é vazia, a lontra é vazia. A lontra como forma não existe — mas o vazio é uma forma.

Portanto, a existência da lontra não é algo intrínseco, inerente, de característica própria, mas uma designação de causas e condições, não intrínsecas. Em ecologia de ecossistemas é o que chamamos de processo. Se quisermos preservar a lontra temos que necessariamente preservar os processos de funcionamento do sistema, porque a lontra por si só não é aquilo que parece ser. A existência da lontra está nas relações interdependentes entre os componentes bióticos e abióticos do sistema. Por isso, para o Projeto Lontra, a lontra representa uma espécie bandeira, a Sentinela das Águas — e a educação ambiental, a mobilização social para modificar realidades adversas. Em suma, a lontra é uma expressão da vida, e como qualquer outra expressão deve ser respeitada e preservada. Por que a lontra? Por isso. Porque a lontra é vida, fruto da busca do conhecimento, do vazio.




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